Faleceu na terça-feira, 28, às 14h30, aos 94 anos, Erna Jonk Weingartner, aos 94 anos. Corpo velado na capela Luterana Centro. Sepultamento na quarta-feira, 29, às 15h30, no cemitério Luterano Centro.
Por Celso Deucher, escritor e historiador do Museu Casa de Brusque
Erna Jönk nasceu em 7 de agosto de 1931, no município de Brusque, Santa Catarina, filha de Ludwig Maximilian (Max) Jönk e Bertha Maria Fürbringer Jönk, descendentes de imigrantes alemães que contribuíram significativamente para a formação cultural e econômica da região do Vale do Itajaí-Mirim. Cresceu em um ambiente familiar marcado pela disciplina, pela religiosidade e pelos valores éticos herdados da tradição luterana, fundamentos que moldariam sua conduta e sua trajetória ao longo da vida.

Durante a infância e juventude, Erna viveu em uma Brusque profundamente influenciada pela cultura germânica. A cidade, formada por imigrantes europeus, ainda preservava o idioma, os costumes e o modo de vida trazido da Alemanha. Estudou na Deutsche Evangelische Schule, atual Colégio Cônsul Carlos Renaux, onde recebeu uma educação pautada pela fé, pelo rigor nos estudos e pelo respeito ao próximo.
Foi também na comunidade luterana que se fortaleceu espiritualmente. Em 1945, aos 14 anos, recebeu sua confirmação religiosa das mãos do Pastor Lindolfo Weingärtner, figura que marcaria profundamente sua vida décadas depois. Desde jovem, Erna demonstrava sensibilidade, curiosidade intelectual e um desejo constante de servir. Movida pela vocação para o cuidado, decidiu seguir o caminho da enfermagem.
Ao concluir os estudos em Brusque, partiu para a Europa, estabelecendo-se na Suíça, onde ingressou em uma escola de enfermagem. Essa mudança representou não apenas uma oportunidade profissional, mas também um marco de amadurecimento pessoal e espiritual. Na Suíça, Erna mergulhou no universo do aprendizado técnico e científico, aprimorando seus conhecimentos e desenvolvendo uma ética de trabalho exemplar. A vivência europeia também ampliou sua visão de mundo e consolidou os valores que norteariam sua carreira: dedicação, compaixão e excelência. “Se não é para fazer as coisas bem feitas, não faça”, dizia ela.
De volta ao Brasil, iniciou uma trajetória extraordinária na área da saúde. Em 1961, assumiu a direção geral da Maternidade Cônsul Carlos Renaux, em Brusque, tornando-se uma figura central na história da instituição. Como parteira e enfermeira, participou de milhares de nascimentos, ajudando a trazer ao mundo gerações de brusquenses. Seu trabalho incansável e sua presença serena nas horas de maior aflição tornaram-na conhecida e amada em toda a cidade, recebendo carinhosamente o apelido de “Schwester Erna”, que em alemão significa: “Enfermeira Erna”.
Em entrevista concedida anos mais tarde, ela recordou com simplicidade o cotidiano de sua profissão: “Naquela época, as coisas eram bem diferentes de hoje. Mesmo eu, com o meu diploma estrangeiro, tinha toda a confiança e era esperado de mim tudo o que antes só os médicos faziam, inclusive os partos. Na Suíça, nunca uma enfermeira sem preparo poderia fazer isso. Mas aqui, esperavam que eu fizesse, e eu fiz. Muitas vezes, já de longe, a gente escutava o barulho de uma carroça chegando tarde da noite ou de madrugada — era uma parturiente que vinha. Toda nossa equipe se preparava para receber mais um brusquense que estava para nascer.”
Essas palavras sintetizam a essência de Erna: coragem, competência e entrega. Sua atuação ultrapassou o exercício técnico da enfermagem, ela foi, para muitos, um símbolo de humanidade, amor ao próximo e de fé.
Embora não tenha tido filhos biológicos, Erna exerceu a maternidade de forma comovente. Em 1963, após o falecimento de Catarina Cuzik Goedert durante o parto de trigêmeos (Vilma, Vitória e Vitório José), as crianças foram levadas e entregues aos cuidados da maternidade, que estava sob sua direção. Compadecida com a situação, Erna acolheu os bebês frágeis e os criou com carinho e zelo. Durante dez anos, os trigêmeos viveram sob seus cuidados na maternidade e, posteriormente, por mais dois anos em sua casa. Tornaram-se seus “filhos de coração”, e ela, a figura materna que os dedicou um amor incondicional.
Sua vida, porém, também seria marcada por um reencontro que lhe traria profunda felicidade. Em 1990, durante a celebração dos 45 anos de confirmação de sua turma, Erna reencontrou o Pastor Lindolfo Weingärtner, viúvo desde 1989. O reencontro foi providencial: olhares e lembranças reacenderam uma ternura antiga, e, a partir de uma troca de cartas, nasceu uma nova história de amor. Em fevereiro de 1991, uniram-se em casamento, iniciando uma fase serena e abençoada de suas vidas.
O casal passou a residir em um sítio cercado pela natureza, onde desfrutaram da tranquilidade dos bosques, dos canteiros floridos e dos sons da vida simples, passarinhos e borboletas completavam o cenário da paz que ambos cultivavam. Em 1992, viajaram juntos à Alemanha, visitando Flensburg, Gettorf e Bovenau, regiões de origem da família Jönk. A viagem representou a concretização de um sonho: o reencontro com as raízes e a celebração do amor.
Foram 27 anos de casamento, marcados pela fé, pela cumplicidade e pelo profundo respeito mútuo. O Pastor Lindolfo faleceu em 20 de março de 2018, deixando em Erna a lembrança de um amor maduro e sereno.
Além de sua notável atuação na área da saúde, Erna Jönk Weingärtner foi também uma pesquisadora histórica e escritora. Movida pelo desejo de compreender suas origens e preservar a memória de sua família, dedicou-se por anos à pesquisa genealógica e histórica. O resultado desse esforço foi a publicação do livro “Crônicas da Família Jönk” (edição da autora, 2021), obra construída com rigor e sensibilidade, fruto de consultas a arquivos em Brusque e na Europa.
Em suas viagens de pesquisa, Erna retornou diversas vezes à Alemanha, especialmente à região de Schleswig-Holstein, visitando Flensburg, Gettorf e Bovenau, localidades onde viveu parte de sua ancestralidade. Sua escrita, mais do que um registro familiar, tornou-se um testemunho de amor à memória e à identidade, contribuindo para o fortalecimento da história cultural de Brusque.
Mas Erna não se limitou ao passado: preocupava-se também com a preservação da língua alemã, tão marcante na formação da cidade. Em 2009, juntamente com Marga Helga Erbe Kamp, Ursula Rombach, Carla Sievert, Odette Appel Brandes, Norma Archer, Sueli Orthmann Kock, Dorli Schlösser e Jutra Stauffer, fundou o Grupo das Sete (G-7). O grupo nasceu do desejo de cultivar o idioma e manter viva a tradição linguística ameaçada pela assimilação cultural e pelas proibições do passado.
As reuniões do G-7 tornaram-se encontros de amizade, cultura e memória. Entre cafés e conversas, essas mulheres octogenárias reviviam expressões, canções e histórias que formam o tecido da identidade brusquense. O legado do grupo foi eternizado no documentário “G7 – A alegria de se reunir e compartilhar memórias em língua alemã”, dirigido por Celso Deucher e vencedor do Prêmio Wilson Santos de Apoio à Cultura. A obra, lançada em 2024, reafirma o valor da resistência cultural e destaca Erna como uma de suas mais ilustres representantes.
Antes disso, Erna também participou do documentário “A Maternidade Cônsul Carlos Renaux” (Deucher Filmes, 2021), no qual relatou sua experiência e a importância da instituição para a história da saúde de Brusque. Sua fala, serena e precisa, traduzia a sabedoria de quem viveu com propósito e vocação.
Em cada etapa de sua vida, como enfermeira, escritora, pesquisadora ou amiga, Erna Jönk Weingärtner deixou marcas profundas na comunidade brusquense. Sua existência foi um testemunho de dedicação, fé e amor ao próximo, um exemplo de como o trabalho e a memória podem caminhar juntos na construção do bem comum.
Hoje, ao evocarmos sua trajetória, reconhecemos em Erna a síntese de uma geração que soube transformar dever em missão, e fé em serviço. Sua vida encerra a harmonia entre a prática e o espírito, entre o gesto e a palavra, entre o passado que se preserva e o presente que se ilumina.
Em uma de suas últimas declarações, feitas a pesquisadora Rosemari Glatz, em 2017, seu esposo, o pastor Lindolfo resumiu o sentimento que os unia: “Experimento o declinar do dia na paz de Deus, ao lado de minha querida esposa Erna, com a qual Deus me presenteou. Assim está chegando ao fim o caminho de minha vida. O círculo continua aberto. Deus vai fechá-lo definitivamente em seu Reino, depois de transformar a sua criatura imperfeita. Louvado seja o seu nome!”
Hoje, Erna partiu serenamente, unindo-se àquele que tanto amou, o Pastor Lindolfo, na paz de Deus. Mas sua presença continua viva nas histórias que contou, nas vidas que ajudou a nascer e nas memórias que preservou. Em Erna Jönk Weingärtner, a história de Brusque encontra um espelho fiel de sua própria essência: trabalho, fé, cultura e amor à vida.


